Crítica do filme: "Chuvas de Verão".
Por Andrea Ormond
"A vida não é como as águas do rio que passam sem
descanso, nem como o sol que vai e volta sempre. A vida é uma chuva de verão,
súbita e passageira, que se evapora ao cair."
Quando Isaura (Miriam Pires) lê para Afonso (Jofre Soares) a
citação acima, o espectador já está completamente entregue a "Chuvas de
Verão" (1978), obra-prima do diretor Carlos Diegues. Não utilizo a palavra
"obra-prima" de forma leviana: aula de roteiro, direção, fotografia,
e principalmente esforço interpretativo da própria Miriam, Jofre Soares,
Rodolfo Arena e Loudes Mayer, transformaram -- passados trinta anos --
"Chuvas de Verão" em um dos melhores filmes do cinema brasileiro.
Ao revê-lo, muito impressiona como a arte fílmica nacional
desaprendeu de lá pra cá, brutalizando o olhar atento e individualizado sobre o
povo e a vida cotidiana em um arremedo de hipocrisia coletiva, superficialidade
sociológica e terror bélico. Dói concluir que, apesar do salto no tempo, aquele
subúrbio onírico de "Chuvas de Verão" ainda existe em algum lugar. Os
personagens idem. Extinguiu-se, apenas, a vontade de retratá-los novamente.
Isso porque em "Chuvas de Verão" ninguém morre em
nome do fetiche estético, a pobreza não busca expiações e a periferia não é
tratada por um olhar infantilizante. No entanto, que bela crítica social é a
figura de Afonso, um homem que dedicou toda vida à repartição, para em troca
ser aposentado e receber como troféu uma caneta dourada. Obediente às normas,
ciente dos seus deveres, Afonso jogou a vida fora. Está na hora de substituí-lo
e devolvê-lo de pijama para uma casa pobre, onde como tantos esperará sozinho e
resignado a morte.
Emulando um personagem qualquer do neo-realismo italiano, o
homem velho sabe que viveu para nada. A partir dele fica claro que todos em
volta habitam o mesmo dilema: a pianista fracassada, Dona Helô (Loudes Mayer),
mãe de um inútil de 32 anos que nunca lhe dará netos; um ex-ponta esquerda do
Bangu, que quase jogou no Vasco; o palhaço Guaraná (Rodolfo Arena), amigo de
Afonso, que oculta um segredo terrível; e o x9 da polícia, Juracy (Paulo César
Peréio), atuante na vizinhança como uma espécie de coringa.
É Juracy, conhecido como Pereba, quem dá as boas-vindas ao
funcionário público depois da aposentadoria; é ele também que ajuda a filha de
Seu Afonso, Dodora (Marieta Severo), a desmascarar a traição conjugal do
marido; e será ele a apontar o dedo para o velho, que escondia em casa o
bandido Lacraia (Luis Antonio), namorado da empregada Lurdinha (Cristina Aché).
O drama do bandido Lacraia e o crime cometido pelo Palhaço Guaraná servem de
informação ao público de que o roteiro não ignorava a violência urbana, tema já
presente nos noticiários da época.
A vida futura de Afonso, depois da aposentadoria, resume-se
a quatro dias. É cerceada imediatamente por funcionários da prefeitura, que
derrubarão sua casa -- e o bairro tradicional -- para construírem um viaduto. O
viaduto, metáfora da morte, da temporalidade, mas aceito de bom grado por Seu
Afonso depois que concretiza a paixão reprimida por Isaura. Em um filme sobre a
mediocridade, o sexo voluntarioso e libertário entre os dois velhos que bebem
cerveja e escutam Francisco Alves não é chuva de verão: são águas de março,
promessa de vida em resignados corações.
Cacá Diegues passou quase três anos escrevendo o roteiro,
talvez para evitar que seu olhar de morador da zona sul -- alagoano de
nascimento, foi criado em Botafogo -- contaminasse o espírito suburbano. De
fato, chama atenção nos curtos 87 minutos de "Chuvas de Verão" a
total ausência de estereótipos, e o despertar natural de uma empatia entre
narrativa e público.
Sem qualquer julgamento por parte do diretor, a câmera
apenas os observa. Somente Juracy, com suas frases de efeito (“Eu tenho a
cabeça boa, o que atrapalha é os pensamentos"), potencializado pelo tom
excessivo e cativante de Paulo César Pereio, força a barra em um confronto. Os
outros existem -- imperfeitos e observáveis.
A equipe passou semanas filmando em Marechal Hermes, zona
norte do Rio, e em algumas outras locações da região, inclusive no Conjunto
Habitacional Presidente Getúlio Vargas, Guadalupe, onde dez anos depois Cacá
fez "Um Trem Para as Estrelas".
Moradia de Vina em "Um Trem Para as Estrelas" o
popular Conjunto Deodoro aparece em "Chuvas de Verão" na cena da fuga
de Lacraia, quando o motorista do táxi (Procópio Mariano) despeja um monólogo
amargo, ilustrando em um desfile de impropérios a inutilidade da própria vida.
O gordo Procópio, ator intuitivo e fabuloso, rouba a cena em entreato que
deprime e exaspera.
"Chuvas de Verão" estaria no direito de ser,
guardadas as ricas circunstâncias, uma experiência soturna, pesada. Pelo
contrário, Cacá Diegues a conduz com tanta maestria e suavidade que terminamos
o filme quase leves, felizes.
À verdade íntima de Seu Afonso, dos vizinhos, de cada um de
nós, não importa a transitoriedade da vida e dos acontecimentos. Importa o que
fazemos com eles, o almoço que preparamos para saciar nossa fome. Enquanto Dona
Isaura após o sexo passa a usar vestidos claros, Carpe Diem, o aforismo do
romano Horácio, cairia bem como resumo poético deste imperativo.
Texto reproduzido do blog: estranhoencontro.blogspot.com.br
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CHUVAS DE VERÃO (1978).
FICHA TÉCNICA
Outros Títulos: Summer
showers (USA)
Pais: Brasil
Gênero: Drama
Direção: Carlos
Diegues
Roteiro: Carlos
Diegues
Produção: Luiz
Fernando Goulart
Música Original: Paulinho
da Viola
Fotografia: José
Medeiros
Edição: Mair Tavares
Direção de Arte: Maurício
Sette
Nota: 7.5
Filme Assistido em: 1979
ELENCO
Jofre Soares - Sr.
Afonso
Míriam Pires - Dona
Isaura
Marieta Severo - Dodora
Paulo César Pereio - Juraci
Rodolfo Arena - Lourenço
Daniel Filho - Geraldinho
Gracinda Freire - Judith
Sadi Cabral - Baltazar
Cristina Aché - Lurdinha
Lourdes Mayer - Dona Helô
Roberto Bonfim - Delegado
Emmanuel Cavalcanti - Cardoso
Carlos Gregório - Paulinho
Zaíra Zambelli - Moça
da Repartição
Regina Casé - Moça
da Repartição
Jorge Coutinho - Sanhaço
Luís Antonio - Honório,
o Lacraia
Procópio Mariano - Motorista
de táxi
PRÊMIOS
Festival de Cinema de Brasília, DF
Troféu Candango de Melhor Ator Coadjuvante (Paulo César Pereio)
Troféu Candango de Melhor Atriz Coadjuvante (Míriam Pires)
Associação Paulista de Críticos de Arte
Prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante (Gracinda Freire)
Festival Latino Americano de Huelva, Espanha
Prêmio Colón de Ouro (Carlos Diegues)
SINOPSE
Viúvo e suburbano, o solitário Sr. Afonso acaba de se
aposentar. Ao retornar para casa, é
recebido pelos vizinhos com uma grande festa, oportunidade em que promete que,
a partir de então, não vai mais "tirar o pijama" a fim de poder
aproveitar a tranqüilidade do subúrbio onde mora.
Entretanto, logo na primeira semana de ócio, em um tórrido
verão, ele descobre que a jovem que arruma sua casa está escondendo num dos
quartos, Lacraia, um criminoso procurado pela polícia. À hesitação entre denunciar Lacraia,
aproveitar a nova vida e os amigos que vivem lhe visitando, administrar o
casamento fracassado da filha e a saudade da falecida, vem-se juntar a suspeita
de que seu vizinho, Sr. Lourenço, amável velhinho que, no passado, foi o
palhaço Guaraná e hoje vive de recordações e shows para crianças, possa ser um
assassino.
E é nesse clima que D. Isaura, sua vizinha de tantos anos,
aproxima-se mais dele, iniciando uma grande relação de amizade, amor e
respeito.
imagem
COMENTÁRIO de Carlos Augusto de Araújo.
"Chuvas de Verão" é um excelente filme
nacional. Realizado pelo cineasta Carlos
Diegues, que também assina o roteiro, o filme procura mostrar, principalmente
através dos personagens vividos por Jofre Soares e Míriam Pires, o ser humano
com seus sonhos, suas frustrações e suas paixões, o que é feito com bastante sensibilidade.
Com apenas 93 minutos de duração, algumas sub-tramas
deixaram de ser melhor desenvolvidas. De
qualquer forma, graças ao seu magnífico elenco, "Chuvas de Verão" é
um filme imperdível. Seu grande destaque
é a tocante cena de amor entre Sr. Afonso e sua vizinha D. Isaura.
Texto reproduzido do site: 70anosdecinema.pro.br
Adorei o filme, uma vista de um Rio de Janeiro verdadeiro e atual! 1978 e 2021 são próximos!
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