Texto publicado no Facebook/Luiz Eduardo Oliva, em 03.10.2017.
Sergipe e o Cinema Novo: O resgate a Waldemar Lima (*).
Por Luiz Eduardo Oliva (**)
No célebre livro “As paixões e os Interesses” que pontificou
nos meios acadêmicos entre os anos 70 e 80 o economista político alemão Albert
Hirschman lembra o filósofo Santo Agostinho que dizia que os três principais
pecados do homem decaído era a ânsia por dinheiro e bens materiais, o desejo
sexual e o desejo de poder, a que chamou de “libido dominandi”.
Agostinho condenou essas três “paixões humanas”, mas atenuou
a última quando esta se combina com um forte anseio por louvor e glória. Para
ele havia uma "virtude civil" que caracterizava, por exemplo, os 77
romanos, "os quais mostraram um amor babilônico por sua pátria
terrestre", substituindo o “desejo de riqueza e muitos outros vícios, por
um único vício: o anseio pelo louvor" onde a busca da honra e glória
estaria no critério de avaliação da virtude e grandeza do homem.
Assim, atenuando uma das paixões condenadas, Santo Agostinho
compreendeu que era e é, da natureza humana, essa busca pela glória que,
naturalmente nos povos sempre se deu pelas grandes conquistas. Quando Luís de
Camões escreve os Lusíadas ele se refere à honra e glória de Portugal. Há em
Homero, tanto na Ilíada como na Odisseia, a exaltação à Grécia, seu povo, sua
engenhosidade e bravura.
A reverência aos heróis é antes uma reverência à pátria.
Homens e pátria dizem desse “amor babilônico” que destaca cada povo e cada
localidade. Quando destacamos nossos grandes nomes queremos exaltar a nós
mesmos, a nossa origem, o amor ao rincão, à aldeia. Os baianos, sobretudo, são
pródigos em exaltar sua gente. Sergipe, embora seja um Estado altamente rico
pela inteligência de seus filhos e filhas é, todavia negligente em cultua-los
ou exaltar a inteligência sergipana e a sergipanidade.
Digo isso para me referir à figura de um esquecido
sergipano: o fotógrafo e cineasta Waldemar Lima, nascido em Aracaju em 1939 e
que viria a ser um dos principais expoentes do mais fascinante momento de
renovação do cinema brasileiro – e até mundial – o chamado cinema novo onde a
figura central é o baiano Glauber Rocha. Waldemar Lima vem a ser o assistente
de direção do filme “Barravento” e o diretor de fotografia no revolucionário
“Deus e o Diabo na terra do sol” considerado um dos maiores filmes de todos os
tempos. Pois bem, é desse Waldemar Lima que se busca reverenciar como uma das
glórias sergipanas que, quase esquecido, por ato realizado esta sexta-feira no
Tribunal de Contas, sob a batuta do conselheiro e cinéfico Clovis Barbosa é
resgatado.
Waldemar viveu em Aracaju até os 26 anos onde desenvolveu
por moto próprio a arte da fotografia. Migra à Bahia, se integra a um movimento
de discussão do cinema, conhece Glauber Rocha e depois vem a ser, junto com o
célebre baiano talvez a figura mais importante do cinema novo pela revolução
que impõe com o domínio da luz e o uso da câmara.
Conheci Waldemar Lima ao acaso quando, nos idos de 1989, ele
resolve voltar a Aracaju onde monta uma pequena produtora de vídeos em VHS.
Embora consagrado fora do seu estado, em Sergipe continuava um ilustre
desconhecido. Àquela época, eu à frente do Centro de Cultura e Arte da UFS, o
Cultart, tive a oportunidade de desenvolver boa amizade com Waldemar que
realizou trabalhos de vídeo tendo documentado os últimos grandes festivais de
arte de São Cristóvão. Mas como santo de casa não faz milagres, não houve nem o
reconhecimento nem a compensação mínima para a sobrevivência e Lima retornou a
São Paulo.
Só vou reencontra-lo, mais uma vez ao acaso em 2005 quando
ele me revelou (sem trocadilhos fotográficos) que tinha fotografado o
centenário de Aracaju em 1955 e as fotos continuavam inéditas e desconhecidas,
embora os negativos estivessem bem conservados. Diante daquele tesouro
desenvolvemos a ideia de uma exposição das fotos com poemas meus para
participar das comemorações dos 150 anos de Aracaju. Mas porque já havia uma
programação, o projeto não foi adiante. Tivemos outras tentativas sem frutos
até Waldemar falecer em 2012.
Recentemente provocando o conselheiro presidente do Tribunal
de Contas do Estado Clóvis Barbosa, que coordena um projeto cultural naquele
tribunal, topou o resgate da figura de Waldemar Lima. O resultado foi um
documentário sob a direção do talentoso Pascoal Maynard, o “Concurso de
Roteiros Waldemar Lima Um Minuto Cidadão” para exibição da TV Aperipê, a edição
do livro “Waldemar lima, uma câmera e uma ideia de luz” organizado pelo
brilhante jornalista Marcos Cardoso e a exposição das fotos inéditas com poemas
meus e sob a regência gráfica da talentosa designe Germana Araújo. As fotos
estarão expostas durante um mês no TCE. Em Aracaju vieram familiares de Lima e
velhos amigos do ciclo de cinema baiano, o Carlos Modesto, José Humberto e
Roque Araújo, uma lenda viva do cinema novo.
Waldemar era um apaixonado pela luz. Sua sensibilidade para
com a luz só era comparável à sensibilidade do celuloide de um filme aza 400.
Seu olho era mais sensível que o diafragma de uma rolleiflex. Mas era
principalmente a sensibilidade de um filho do sol, do escaldante sol
nordestino, do miraculoso e altamente iluminado sol de Aracaju. Essa
sensibilidade que ele levou à Bahia e no encontro mágico com Glauber Rocha,
fundindo o gênio sergipano com o gênio baiano, houve a reinvenção do cinema,
conhecido mundialmente como Cinema Novo. Certamente um cinema que teve origens
também no talento de Waldemar Lima, forjado no sol de Aracaju demonstrado
naquelas fotos feitas há 62 anos quando a capital dos sergipanos era apenas uma
cidade comemorando o seu primeiro centenário.
Importante destacar que a grande referência inovadora do
Cinema Novo é a estética que ele apresenta, do movimento da câmara, o
aproveitamento com realismo e total genialidade da luz dos trópicos, da luz
nordestina, da luz da Bahia. E isso é Waldemar Lima, o sergipano laureado como
o principal diretor de fotografia do Cinema Novo.
Na sua simplicidade quase franciscana Waldemar não
demonstrava o gênio que ele era. Comportava-se como os filmes negativos que
necessitavam da câmara escura para o processo de revelação. Resgatar Waldemar
Lima e sua obra é brindar a alma sergipana, à glória da nossa gente, é
reverenciar um saber da sergipanidade. Waldemar Lima, um gênio da raça
sergipana.
(*) Artigo publicado no Jornal da Cidade, edição de 30 de
setembro a 02 de Outubro de 2017.
(**) Luiz Eduardo Oliva, advogado, poeta e professor. Ex-secretário
de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Texto e imagens reproduzidos do Facebook/Luiz Eduardo Oliva.
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