Foto reproduzida do site a BandNews e postada pelo blog,
para ilustrar o presente artigo
Texto publicado originalmente no Facebook/Clara Angélica Porto*, em 21/04/2018
Abro o telefone para ver se tem mensagem. Nada. Mas Facebook
tem. Vou lá. Dou logo de cara com Nirton Venancio anunciando a morte de Nelson
Pereira dos Santos. Fiquei muda, gritei de susto, tudo junto. Lembrei de
Nelson, a quem conheci aqui em Nova York, numa exibição de Vidas Secas, no BAM.
Depois do filme, Nelson foi chamado para perguntas e respostas, mas ficou
complicado, pois o inglês dele não era fluente. Pediram ajuda, levantei-me e
fui. Quando acabou, ele me convidou para um jantar que a diretoria do BAM
estava lhe oferecendo. Fui e tive a honra de sentar ao lado dele. Não hesitei e
pedi logo uma entrevista, uma das melhores entrevistas que tive o grande prazer
de publicar no jornal The Brasilians. Fiquei encantada com Nelson, e quem não
ficaria? Não era só pela inteligência, pela arte, pelo cavalheirismo, pelo
cuidado de segurar o guarda chuva na fina chuva de Nova York para que eu não me
molhasse - era por tudo o que era Nelson Pereira dos Santos. No ano seguinte,
um telefonema inesperado. Nelson me ligava do Rio, contando que viria
participar do Tribeca Film Festival com Brasília 18% como competidor, e Iria
também mostrar Vidas Secas. Vibrei, mas o melhor estava por vir: “quero que
você seja minha intérprete/acompanhante e contato com a imprensa. E tenho
verba!” “Ah, Nelson, para você eu faço de graça, Deus me livre, qualquer coisa
por você.” “Eu sei, Clara Angelica, mas eu insisto, tenho verba para isso e tem
que ser você”. E foi. Ele veio com a esposa Ivelise e a filha. Levei varios
jornalistas de diferentes jornais para entrevistar Nelson no hotel. Fui
intérprete em todas as perguntas e respostas de todas as exibições. Participei
ao lado dele de todos os almoços, jantares, festas e recepções. Ao lado dele e
de todos os atores e diretores do festival, inclusive Robert De Niro, que o
tratou com especial reverência. Ver Vidas Secas ao lado de Nelson foi emoção
para alimento de alma por muito tempo. Ajudei-o a retirar do recinto no meio do
filme, uma senhora que ficou tão tocada com Vidas Secas, que teve um ataque
incontrolável de choro. Voltamos trêmulos para ver o resto do filme. Levei ele
e Ivelise a Chinatown, saímos chutando lata por Nova York, livres e felizes.
Quando fui ao Rio, ele me disse que ia fazer a sopa dele de peixe, o único
prato que fazia bem. Fui ao apartamento deles, tomamos vinho tinto, namoramos o
Cristo Redentor da varanda, vi o sótão onde o artista trabalhava. A velha
máquina de montagem lá estava, já aposentada pela tecnologia digital, mas ainda
o brinquedo preferido de Nelson - “sou um montador”. Momentos inesquecíveis,
momentos lindos. Um homem simples, um homem complexo, um homem único e plural.
Nelson Pereira dos Santos e Glauber Rocha são a essência do Cinema Novo
brasileiro. Sinto uma tristeza enorme. A vida fica mais seca sem Nelson Pereira
dos Santos. Deixa um legado imenso na história do cinema brasileiro, este homem
que levou páginas belas da literatura para as telas. Tudo que Nelson tocou,
virou ouro. Tenho uma coleção sem preço de filmes de Nelson e acho que Memórias
do Cárcere é uma obra prima. Nelson foi diretor/montador de obras primas.
Nelson Pereira dos Santos foi uma obra prima. Estará sempre vivo no meu
coração.
* Depoimento de Clara Angelica Porto, em post no seu perfil do Facebook, no dia 21/04/2018
Texto reproduzido do Facebook/Clara Angelica Porto
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