Milos Forman, em Paris em 2009 Martin Bureau AFP
Publicado originalmente no site El País Brasil , 14 ABR 2018
Morre o diretor Milos Forman, um outsider em Hollywood
Cineasta tcheco, de 86 anos, recebeu dois ‘Oscars’ por 'Um
Estranho no Ninho’ e 'Amadeus'
Por Gregorio Belinchón
Por Gregorio Belinchón
Milos Forman (Caslav, 1932), diretor de filmes como Amadeus
e Um Estranho no Ninho, faleceu em sua casa em Hartford (Connecticut) aos 86
anos, após uma breve doença. “Morreu tranquilamente na sexta-feira, cercado por
sua família e amigos mais próximos”, disse sua viúva, Martina. Além dos filmes
citados, o cineasta deixou obras primas à história, como Hair e Pedro, o Negro.
O tcheco foi um cineasta especial, que demonstrou que era
possível trabalhar dentro de Hollywood com um toque subversivo. Essa mesma
aposta iconoclasta, contra o poder – seu cinema refletiu a luta do indivíduo
contra a opressão do sistema – e com tons satíricos foi o que provocou sua
saída de seu país natal no final dos anos sessenta após a invasão da
Tchecoslováquia em 1968.
É curioso, como Guillermo del Toro lembra em seu artigo (em
espanhol), como Forman sempre se conectou com o grande público,
independentemente do tamanho da produção de seu filme, e como defendia seus
personagens protagonistas, por mais estranhos que parecessem no começo de cada
narração. “Às vezes são as mentes mais sujas que amam da maneira mais limpa”,
contou na divulgação de O Povo contra Larry Flint, Urso de Ouro do festival de
Berlim. Seu primeiro filme nos Estados Unidos, Um Estranho no Ninho, exemplifica
esse talento, com um Jack Nicholson soberbo que encarnou não só um rebelde como
alguém que conseguiu despertar seus colegas de hospício no sentido da liberdade
que estava adormecida. Lembrou daquela filmagem em uma oficina de cinema em
Málaga em 2009: “Quase não precisei falar com ele e dirigi-lo, porque os
grandes atores são também grandes profissionais. Jack se sentiu estranho e me
disse que eu era o único diretor que não o incomodava durante a filmagem”. Com
a produção ganhou seu primeiro Oscar de melhor direção, um dos cinco obtidos
pelo filme.
Mozart e o Holocausto
Mas o maior sucesso de sua carreira viria em 1984 com
Amadeus. A história da inveja e da secreta admiração que Antonio Salieri sentia
por Mozart ganhou oito Oscars (sua segunda estatueta como diretor) e se
transformou em um dos títulos mais emblemáticos dos anos oitenta. No filme
havia também um desejo realizado: foi filmado em seu país natal – à época
Forman já tinha a nacionalidade norte-americana – e pôde voltar a sua casa como
um vencedor. Em sua biografia, Turnaround: A Memoir (1994), escreveu que tudo
na vida o havia “condicionado a vencer”, ainda que a sua maneira.
Como diretor, o tcheco nunca se importou em filmar roteiros
de outros. E mais, de seus oito filmes no exílio, só escreveu o roteiro de
dois: “Eu prefiro ter um roteiro sólido no qual me apoiar, mas gosto que exista
lugar à improvisação na filmagem da sequência. 10% de improvisação na hora de
filmar pode trazer momentos únicos, incríveis. Gosto de filmar com atores que
não saibam o roteiro nos mínimos detalhes, mas fazê-los representar seguindo o
roteiro, que eu já sei de cor, dando-lhes indicações para que o diálogo seja
mais real, mais fresco, mais vivo”, afirmava.
“Prefiro um país livre abarrotado de mau gosto a um país
refinado, mas sem liberdade”
Milos Forman tinha uma ideia muito clara sobre seu exílio.
“Prefiro um país livre e abarrotado de mau gosto a um país refinado, mas sem
liberdade”, dizia. “A censura é o pior dos males. Vivi sob um regime
totalitário em que existia a pressão da censura ideológica. Agora vivo em um
país em que se existe alguma pressão é a comercial. Sem dúvida, prefiro essa
última, pelo menos nela milhares de pessoas decidem e não só uma”. Ele mesmo
sofreu na pele várias ditaduras. Nascido em Caslav em 1932, tanto sua mãe, Anna
Suabova, como o homem que ele pensava que era seu pai, um professor chamado
Rudolf Forman, morreram assassinados pelos nazistas em campos de extermínio.
Apesar de ter se educado no protestantismo, Forman às vezes dizia ser meio
judeu. Somente após a publicação de suas memórias, escritas com Jan Novak, sua
história foi conhecida: em meados dos anos sessenta, Forman encontrou uma amiga
de sua mãe em Auschwitz a quem ela confessou que o verdadeiro pai do cineasta
era um amante seu, um arquiteto judeu que sobreviveu ao Holocausto e que Forman
chegou a conhecer no Peru.
Por isso Jan Tomáš Forman, seu nome verdadeiro, cresceu com
pais adotivos. Estudou cinema na Escola de Praga, e desde o começo seus filmes
– Pedro, o Negro (1964) e Os Amores de uma Loira (1965) – chamaram a atenção
dos festivais internacionais. Com The Firemen's Ball, em que ironizava a
burocracia em um destacamento de bombeiros voluntários, começou a sentir a
pressão das autoridades comunistas. De modo que quando as tropas soviéticas
entraram na Tchecoslováquia em agosto de 1968, Forman, que estava em Paris
negociando seu primeiro projeto norte-americano, decidiu não voltar.
Início difícil nos EUA
Seu primeiro trabalho nos EUA foi a comédia Procura
Insaciável (1971). Não foi nada bem, e Forman entrou em depressão em seu quarto
do nova-iorquino hotel Chelsea. Somente Um Estranho no Ninho o tirou desse
estado. Em suas memórias conta que os dois produtores do filme, Michael Douglas
e Saul Zaentz, o contrataram por uma ninharia. A partir daí pode escolher seus
projetos: o musical Hair (1979), que dizia ter gostado pela energia dos jovens
atores; Na Época do Ragtime (1981), o último filme no cinema de James Cagney;
Amadeus (1984); Valmont - Uma História de Seduções (1989), um filme que teve
contra ele a estreia no ano anterior de Ligações Perigosas, já que ambos eram
baseados na mesma obra epistolar de Pierre Ambroise Choderlos de Laclos; O Povo
contra Larry Flint (1996); O Mundo de Andy (1999) – em que a imersão total no
papel de Jim Carrey, seu protagonista, quase o tirou do sério – e Sombras de
Goya (2006).
A história de Goya chegou a ele por um livro, que havia lido
há anos e escreveu o roteiro em parceria com seu grande amigo, o mítico
roteirista Jean-Claude Carrière. “Aquele volume falava sobre a Inquisição
espanhola. Existiam muitas semelhanças com coisas que eu havia conhecido.
Fiquei espantado com os paralelismos que existiam entra a Inquisição espanhola
e os regimes totalitários nazista e comunista”, contou em uma homenagem no
festival de Sevilha. “Provavelmente, Goya não teria sobrevivido no século XXI”.
E usou, efetivamente, mais uma vez o pintor para ilustrar sua eterna história,
a de um indivíduo contra a opressão angustiante do poder, a da ciência e do
Iluminismo contra a Inquisição.
No século XXI, Forman também dirigiu ópera, com seus filhos
gêmeos, Petr e Matêj, como A Walk Worthwhile: Uma Caminhada de Valor, dos
autores tchecos Jiri Slitr e Jiri Suchy que curiosamente ele já havia dirigido
para a televisão tchecoslovaca em 1966. Além disso, foi um dos diretores da
seção de cinema da Universidade de Columbia, e se manteve na ativa com alguns
projetos que não deram certo e outros que deram, como a versão ao cinema, dirigida
em conjunto com seu filho Petr, de A Walk Worthwhile: Uma Caminhada de Valor.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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